Além do Histórico, do Pop-Dark e da Chuva
Crítica do espetáculo "Sua Incelença, Ricardo III" do Grupo Clowns de Shakespeare, Direção de Gabriel Vilela. Com fotos de Daniel Sorrentino.
Eu não estava presente em 1992, no Morro Vermelho, na pré-estréia de Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, mas conta a história (e o DVD) que caiu uma forte chuva, e enebriados por mito e mágica, ninguém saiu, público e atores continuaram alí, lavados. Só fui assistir Romeu meses depois no Sesc São José dos Campos, mas sonhei fazer parte da platéia mineira, testemunha ocular da história do teatro nacional. Não foi a estréia, mas certamente será mítico. O mesmo diretor de Romeu e Julieta, Gabriel Vilela depois de muitos anos, volta ao teatro de rua, e na segunda apresentação em Curitiba, nesta comigo na platéia,
presenteia o teatro com mais um ítem da história. Novamente com Shakespeare. Era 19h30 e todos aguardavam nas arquibancadas montadas no Largo da Ordem os atores potiguas da Cia Clowns de Shakespeare, serenava e parava com alguma frequencia, mas inibidos pelo espectador de trás, ninguem ousava abrir seu guarda-chuvas. Lá vieram eles, e antes da primeira estrofe (de um pop-inglês) um black out acontece, a chuva que molhara os aparatos eletronicos causava o primeiro estrago.
Os atores voltam, o diretor fala algumas palavras e a luz reaparece, recomeça o espetáculo. O sonho se renova. O teatro de rua renasce, fresco por história, molhado pelo mito. A chuva em vários momentos aumenta, até cair de vez. O som falha, mas os atores continuam, os instrumentos de sopro entopem, mas eles continuam. Ricardo III assassina os sobrinhos, e tudo continua. Já com guarda-chuvas abertos a imensa maioria do público continua, vidrados, molhados, encharcados. E temos alí, a uma distância paupável, mais uma vez um capitulo enciclopédico acontecendo no teatro. Gabriel Vilela com seus figurinos exuberantes, com suas cores emolduradas e com sua veia triste, trágica e barroca é mesmo uma grife (como disse meu amigo Airton Amaral), a tristeza poética de Vilela se mistura com o grupo Clown de Shakespeare, com sua vocação pastelônica, nordestina, forrozeira e feliz. Resultando num espetáculo cheia de nuances, duplos-sentidos, melancôlias e recursos cênicos.
Um espetáculo moldurado o tempo todo com a estética dark e brejeira, meio Tim Burton, meio Chacrinha. Ricardo III travestido no coronelismo sertanejo, A Rainha a la Rosane Collor, uma rainha-mãe cover do Fred Mercury, podiam parecer uma mistureba exagerada, uma colagem pop por demais, mas se não percebessemos nisso a opção sincera e caótica do caldeirão cultural mambembe, nordestino, burlesco, da carroça pantaleonica. Vocacionado pelo teatro de rua, a mistura, o exagero, o vísivel sempre foi nossa maior herança, veja que, é por esta visibilidade grosseira que o teatro de rua não economiza em pernas de pau, chitas coloridas e manifestações folclóricas. E por que Sua Incelença, Ricardo III iria economizar? Não, não podia. O teatro de rua ainda é uma das poucas manifestações artisticas que não cairam na ditadura do discreto, odiosa ditadura do blazé. Onde tudo pra ser bom, tem de ser mínimo, clean, cool. O correto fica obsoleto quando colocado no Teatro de Rua.
Se pedirem pra eu apontar um defeito, ainda fico com a parte musical em inglês do espetáculo, acho que as músicas no idioma de Shakespeare, com letras as vezes que não condizem com a cena, afastam mais do que aproximam a história da platéia, mas a atitude inglesa do Rock-in-Roll parece ser o motivo das músicas estarem ali, além claro, do efeito pop-dark. Por fim, foi dia comum em Curitiba, com chuva no final da tarde e inicio da noite. Dia incomum para os atores do Clown de Shakespeare. Dia repetitivo para Gabriel Vilela. Dia inesquecível para uma platéia molhada. Dia histórico para mim. E o resto? O resto foi noite e silêncio. Meu reino por um guarda chuva maior!
Valter Vanir Coelho
Diretor e Autor Teatral)
ciasemmascaras@hotmail.com
Eu não estava presente em 1992, no Morro Vermelho, na pré-estréia de Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, mas conta a história (e o DVD) que caiu uma forte chuva, e enebriados por mito e mágica, ninguém saiu, público e atores continuaram alí, lavados. Só fui assistir Romeu meses depois no Sesc São José dos Campos, mas sonhei fazer parte da platéia mineira, testemunha ocular da história do teatro nacional. Não foi a estréia, mas certamente será mítico. O mesmo diretor de Romeu e Julieta, Gabriel Vilela depois de muitos anos, volta ao teatro de rua, e na segunda apresentação em Curitiba, nesta comigo na platéia,
presenteia o teatro com mais um ítem da história. Novamente com Shakespeare. Era 19h30 e todos aguardavam nas arquibancadas montadas no Largo da Ordem os atores potiguas da Cia Clowns de Shakespeare, serenava e parava com alguma frequencia, mas inibidos pelo espectador de trás, ninguem ousava abrir seu guarda-chuvas. Lá vieram eles, e antes da primeira estrofe (de um pop-inglês) um black out acontece, a chuva que molhara os aparatos eletronicos causava o primeiro estrago.
Os atores voltam, o diretor fala algumas palavras e a luz reaparece, recomeça o espetáculo. O sonho se renova. O teatro de rua renasce, fresco por história, molhado pelo mito. A chuva em vários momentos aumenta, até cair de vez. O som falha, mas os atores continuam, os instrumentos de sopro entopem, mas eles continuam. Ricardo III assassina os sobrinhos, e tudo continua. Já com guarda-chuvas abertos a imensa maioria do público continua, vidrados, molhados, encharcados. E temos alí, a uma distância paupável, mais uma vez um capitulo enciclopédico acontecendo no teatro. Gabriel Vilela com seus figurinos exuberantes, com suas cores emolduradas e com sua veia triste, trágica e barroca é mesmo uma grife (como disse meu amigo Airton Amaral), a tristeza poética de Vilela se mistura com o grupo Clown de Shakespeare, com sua vocação pastelônica, nordestina, forrozeira e feliz. Resultando num espetáculo cheia de nuances, duplos-sentidos, melancôlias e recursos cênicos.
Um espetáculo moldurado o tempo todo com a estética dark e brejeira, meio Tim Burton, meio Chacrinha. Ricardo III travestido no coronelismo sertanejo, A Rainha a la Rosane Collor, uma rainha-mãe cover do Fred Mercury, podiam parecer uma mistureba exagerada, uma colagem pop por demais, mas se não percebessemos nisso a opção sincera e caótica do caldeirão cultural mambembe, nordestino, burlesco, da carroça pantaleonica. Vocacionado pelo teatro de rua, a mistura, o exagero, o vísivel sempre foi nossa maior herança, veja que, é por esta visibilidade grosseira que o teatro de rua não economiza em pernas de pau, chitas coloridas e manifestações folclóricas. E por que Sua Incelença, Ricardo III iria economizar? Não, não podia. O teatro de rua ainda é uma das poucas manifestações artisticas que não cairam na ditadura do discreto, odiosa ditadura do blazé. Onde tudo pra ser bom, tem de ser mínimo, clean, cool. O correto fica obsoleto quando colocado no Teatro de Rua.
Se pedirem pra eu apontar um defeito, ainda fico com a parte musical em inglês do espetáculo, acho que as músicas no idioma de Shakespeare, com letras as vezes que não condizem com a cena, afastam mais do que aproximam a história da platéia, mas a atitude inglesa do Rock-in-Roll parece ser o motivo das músicas estarem ali, além claro, do efeito pop-dark. Por fim, foi dia comum em Curitiba, com chuva no final da tarde e inicio da noite. Dia incomum para os atores do Clown de Shakespeare. Dia repetitivo para Gabriel Vilela. Dia inesquecível para uma platéia molhada. Dia histórico para mim. E o resto? O resto foi noite e silêncio. Meu reino por um guarda chuva maior!
Valter Vanir Coelho
Diretor e Autor Teatral)
ciasemmascaras@hotmail.com
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